A infância. Em
1967, minha família mudou-se do interior do Estado, para a cidade de Olinda,
onde residiríamos menos de dois anos. O motivo foi o trabalho de meu pai.
Nesta época tive o meu primeiro contato com a culpa e os
horrores cristãos.
Ganhei de minha mãe uma estória ilustrada da bíblia para
crianças, escrita por Stephen Edwin King, em quatro ou cinco volumes, não
lembro.
A estória da serpente falante que cantou Eva; o paraíso; a
maçã; adão. A raiva que senti de Adão por também ter comido a maçã, e desta
maneira nos ter privado de viver no paraíso e, de sobra, nos fazer pecadores,
de um pecado que eu não entendia bem o que era, nem ousava perguntar a minha
mãe.
Estas são as lembranças que trago de Olinda, suas praias, Pará [1] cantando e vendendo suas
coxinhas de galinha; meus medos e culpas, meus horrores.
Mas a
serpente... A serpente era a atriz principal da trama. Ela me fez
ter pesadelos horríveis, piores dos que eu tinha, quando mais novo, com o lobo
mau (conto a história do lobo mau em outra oportunidade); imaginava-a debaixo
de minha cama, quando ia dormir; atrás da porta do banheiro, quando ia tomar
banho; travestida de demônio, quando me encontrava só, sozinho, em um ambiente
escuro, ou mesmo claro, desde que sozinho.
A internet. Li,
na própria net, não lembro a fonte, que depois do seu advento, aquilo que
achávamos que fazíamos bem ou diferente dos outros, entre nossos amigos,
familiares e conhecidos, era feito por mais, e de melhor forma, por outras
cinquenta pessoas, principalmente pelos chineses, e o pior, com no mínimo, dez
anos de idade a menos do que você.
Tive esta certeza, quando me espantei, ao tomar conhecimento,
de adolescente de 15, 17 anos que já se posicionavam, e criticamente, como
ateus. O meu ateísmo não foi tão fácil assim, demorou longos anos para sair do
armário. Até mesmo do armário que há dentro de mim, não apenas do armário social.
Minha família sempre foi muito religiosa, católica. Até os
catorze anos, fui obrigado, por minha mãe, a frequentar a igreja. Ao entrar na
faculdade, em 1981, aos dezoito anos, minha fé em deus não tinha sofrido abalos
significativos, assim, bem como, minha filiação a Igreja Católica.
Fui cursar Engenharia Civil. Mas todos os cursos da UNICAP,
faculdade católica de Pernambuco, onde passei a estudar, tinham duas cadeiras
de teologia, uma no primeiro semestre do curso; outra no segundo.
O resultado de ter que estudar teologia foi o meu despertar
para o agnosticismo, e daí para o ateísmo. Com certeza este não era o resultado
esperado pela faculdade, quando incluiu em sua grade as cadeiras de Teologia I
e II, muito pelo contrário.
Dois temas chamaram-me muito a atenção naquele momento, (i)
os argumentos filosóficos para a existência de Deus e, os argumentos filosóficos
contrários; (ii) o problema do mal.
O ateísmo. Depois
destes estudos, passei a não me considerar mais católico, nem teísta; era um
não religioso, talvez um deísta; mas já com o pé no agnosticismo.
Os anos passam e meu agnosticismo vai ficando bem mais sedimentado. Porém, meu caldeirão de cultura erudita – strictu sensu – foi ficando mais cheio e mais misturado, e o conhecimento leva a “verdade”, e a verdade não traz conforto ou felicidade.
Os anos passam e meu agnosticismo vai ficando bem mais sedimentado. Porém, meu caldeirão de cultura erudita – strictu sensu – foi ficando mais cheio e mais misturado, e o conhecimento leva a “verdade”, e a verdade não traz conforto ou felicidade.
O sofrimento humano, impulsionado pelo capitalismo; a fome;
as guerras; etc. encaminharam-me diretamente para o ateísmo. Caso deus
existisse, entendia, teria que ser um deus do mal, era a única conclusão
possível.
Resumo da ópera:
tornei-me ateu. Algumas vezes flertava com o agnosticismo, mas voltava, largo e
ligeiro, aos braços do ateísmo, sempre.
Não costumo dizer aos quatro cantos que sou ateu. Caso
perguntem não nego, não me escondo. Declarar-se ateu “choca” as pessoas de bem. Quando falo que o
sou, olham-me como se eu fosse o filho do próprio capeta e, ao mesmo tempo, estivesse
infectada com a AIDS, a lepra e desenvolvido um câncer, afastam-se de mim ou
tentar me catequizar. Adoro quando afastam-se de mim.
Muitas vezes argumentam que sou ateu por que sou deficiente
físico, e tenho raiva de deus. Nestes casos não adianta argumentar, o negócio é
dar uma boa e grande gargalhada e deixar a pessoa em dúvida: ele aquiesceu?
Nos primeiro momentos que descobri que eu era, de forma
convicta, ateu, tive um sentimento de orfandade, Freud deve explicar isto. O
deus pai todo poderoso do cristianismo, que já havia assassinado o politeísmo, dando
assim um golpe mortal no respeito, não só a diversidade religiosa, mas, a própria
natureza, havia-me traído.
De repente, não mais
que de repente, não haviam mais deuses, principalmente as deusas: da
natureza, da agricultura, dos rios, das florestas, do amor, da fertilidade,
etc.; de repente o meu querido deus Baco era apenas mitologia; e o único deus verdadeiro era falso, conversa para boi dormir, ou melhor, para serpente dormir.
O deus cristão, autoritário e autocrático, funcionava para
mim como uma segunda instância judiciária: os homens que se comportavam mal
aqui na terra seriam “julgados” e receberiam uma pena e uma oportunidade para
se redimirem dos seus pecados. Existia, na minha concepção, apenas um pecado:
fazer o mal a terceiros; o resto tudo era balela, pecadinhos de crianças, que
rimos quando os descobrimos.
O inferno imaginava-o, não com o de Dante ou o que me
descrevia minha mãe e minha professora de catecismo, que nem lembro o nome; mas
algo para redimir. Hoje seria assim tal qual uma penitenciária escandinava. Mas
nada era verdade, tudo ilusão, ficção de mau gosto.
Nada existia após a morte, só um grande e “eterno” sono.
Eram tudo fábulas, desejo humano de ser para sempre, mesmo sendo feito de
matéria apodrecível.
Melhor o ateísmo, que pelo menos, em nome de nenhum deus, ou
mesmos pelos ateus, nunca levantou a bandeira de uma guerra, uma cruzada, uma
inquisição um programa de TV e seus dízimos.
Ressuscitei Baco dentro de mim. Houve festa e ainda há.
Falar nisto, hoje tem culto.
[1] Famoso vendedor
ambulante das praias de Olinda.
Eita poeta da porra, texto do caralho poeta, do caralho.
ResponderExcluirObrigado, Mestre!
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