Marinaleda

Marinaleda
RESIGNAR-SE, NUNCA!

domingo, 23 de março de 2014

CARPINA, FLORESTA DOS LEÕES

Leão da Nemeia - *Imagem daqui


Em 1962 nasci, em Carpina, cidade da Zona da Mata, no Estado de Pernambuco. Não foi um grande acontecimento; nem um acontecimento pequeno; foi um acontecimento microscópico. Apenas para os meus pais, creio, foi algo relevante. Era um sábado, 17 de novembro, às 16 horas. Sobre este fato escrevi, mais de quarenta anos depois:

“Quando nasci em Carpina, em 1962,
para uma vida de merda,[1]
não havia nenhum anjo safado de plantão,[2]
um bêbado, um louco e um poeta[3] então me disseram:
vai, Itárcio, se fode na vida.[4]

Com um ano de idade fui acometido pelo vírus da pólio, que me deixou várias sequelas, no corpo e na alma:

Com um ano de idade, a pólio me abraçou
como uma camisa de força a um louco
e me deixou sequelas no corpo e na alma.”

A origem dos nomes da minha cidade... Quando nasci e cresci, na Rua de São José, número 80, Carpina já era Carpina, desde 1948; antes se chamava Chã do Carpina; depois, por ocasião da revolução de 1817, Floresta dos Leões. Muito antes do meu nascimento os leões haviam sido extintos pelos caçadores, interessados por suas peles, dentes e unhas; e posteriormente, Carpina.

A Praça de São José... Tanto a praça dos leões quanto a Rua de São José eram para mim as maiores maravilhas do mundo. Eram gigantes, lindas. Nunca vira monumento ou cidade com tão imensa beleza a ser descoberta, vivida, sonhada.

A festa de Reis era de uma grandiosidade que lembrava - lembrava? – as festas pagãs dos antigos povos gauleses, celtas, indígenas, africanos. Tudo era mágico. As barracas de jogos, as argolas, a pescaria. Balões que voavam sozinhos, bolas de erva doce, sonhos e mais sonhos.

Minha doença e o tabu de falar com a família sobre ela... Durante mais de cinquenta anos, nunca tive coragem de conversar sobre minha doença com os membros de minha família. Para isto havia inventado uma estória que me satisfazia: dizia às pessoas que me perguntavam se eu tinha sido vacinado que sim, mas que várias crianças na minha cidade adoeceram, o que era verdade, e que provavelmente as vacinas haviam sido mal acondicionadas e estava sem validade, o que era mentira. Na verdade não fui vacinado.

As férias em Pontas de Pedras... Pelo menos tive a oportunidade de ter várias férias em Pontas de Pedras, pois o banho de mar e o sol metabolizavam algo em meu corpo que fizeram que minhas pernas, as partes do meu corpo mais afetadas, tivessem um crescimento além da média.

Não encontrei apenas a saúde em Pontas de Pedra, mas o amor, a diversão, a liberdade e o gosto pela música.

O gosto pela música... Estava à toa na vida... O amor de Emília... Os banhos de mar... Liberdade e diversão. Saudades de Pontas de Pedras... Tempos que não voltam mais.

(Itárcio Ferreira)






[1] ObrigadoFerreira Gullar.
[2] Obrigado, Chico Buarque.
[3] Obrigado, Sebastião Vila Nova.
[4] Obrigado, Drummond.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Eu e Alice, no país das Maravilhas, tomando chá de cogumelos (para não esquecermos FHC)



Confesso que às vezes acho que me encontro vivendo dentro do livro “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carol. Não acho que toda aquela loucura poética e filosófica, que me causava medo quando criança – claro, pois o livro é para adultos – fosse pior do que viver, ou melhor, pagar pena, numa sociedade capitalista.

Nos dois governos neoliberais de FHC, a tirânica e malvada Rainha de Copas era nossa desgovernanta. Pobre Rainha, tão inocente! Por aqui não tínhamos sequer um Rei de Copas, infelizmente.

A Rainha, com seu modo de governar, lembra muito o nosso sistema judicial atual, pós-ministros justiceiros, muitas vezes mimados, outras tantas chantageados, pela grande imprensa: determinar a culpabilidade o mais rápido possível: Culpados! Cortem-lhes a cabeça! Antes dos ritos processuais, antes da defesa, antes do veredito, da sentença.

Invertendo o brocardo jurídico de que “ninguém é considerado culpado antes de sentença transitada em julgado”, para: “é culpado, por que assim afirmamos, assinado, o PIG”.

As medidas arbitrárias daquela época, agora no país Brasil do “esqueçam o que escrevi”, com a venda de nosso patrimônio material e intelectual de nossas estatais aos financistas internacionais e nacionais, em nome do “Consenso” de Washington, foi o maior crime já perpetrado contra o nosso país, a nossa nação, o nosso povo. A Rainha de Copas era incapaz de tanta bandidagem.

Não só o escândalo da Vale do Rio Doce, vendida por menos de 5% por cento do seu valor real, o que numa verdadeira democracia, uma democracia consolidada, teria, no mínimo, levado FHC e seu séquito a prisão, senão a pena de morte, pela traição, crime de lesa pátria e lesa humanidade praticados contra a nossa nação.

Lembro-me da marretada do STF quando, contra a Constituição Federal, apreciou a inconstitucionalidade da Lei nº 9.478/97, julgando-a, para espanto do mundo jurídico, constitucional.

Abrindo um parêntesis, e tentando ser justo, o que é extremamente difícil e raro, FHC foi muito, mas bota muito nisso, mais competente do que Lula na indicação para a procuradoria geral da união e para os assentos de ministros do STF, ninguém pode negar tal fato, a Lei nº 9.478/97 esta aí, válida, para provar o dito.

O Brasil era um desastre anunciado, nada poderia mudar seu rumo ao precipício, não havia esperança, foram oito anos de desespero.

No plano internacional havia ainda mais dois ídolos do neocons nacionais e importados, Menen, que faliu a nossa irmã Argentina e a “lenda” Fujimori, que roubou o povo peruano por dez anos, e era apontado, por todos os áulicos neoliberais, como um exemplo, pomposo, a ser seguido e imitado, de administrador do futuro.

Aí de quem na época criticasse Fujimori e seus clones, FHC e Menen, pois éramos tidos como burros, parvos, comunistas frustrados, dinossauros, e outras coisitas mais.

Lembro-me quando fazia mestrado na UFPE e uma professora, de didática do ensino superior, se não me engano, dizia que Marx estava morto e enterrado; outro, este de ciências políticas, era mais babão da política externa dos EUA do que a Veja.

Findei não concluindo o mestrado por várias razões:

1)      Timidez. Sempre entrava em pânico quando tinha que ministrar alguma aula;
2)      Pelo conteúdo conservador do programa;
3)      Por motivo de doença, tive depressão;
4)      Pelo fato da grade curricular ter mais ou menos 50% de matérias ligadas à administração, o que eu detesto.

O item três foi o que realmente mais pesou na minha decisão. Tive depressão, a doença estava ligada ao fim do meu terceiro casamento, que se consumou em setembro de 2002; ao fato de minha filha mais velha ter um diagnóstico positivo de câncer na tireoide – hoje ela está mais linda e mais saudável do que nunca; e, em terceiro lugar, a um professor, de uma cadeira ligada às ciências contábeis, de nome Miranda, que se auto intitulava um torturador.

Em aula, era um péssimo professor, diga-se de passagem, fazia apologia à tortura, e aquilo me causava um dano emocional tremendo. Minha vontade era de dar um murro na cara do sujeito e jogá-lo da janela do prédio da SUDENE, décimo e não sei quantos andares abaixo. Mas como não nasci com os ovos roxos de Collor, nem para ser assassino de um ser insignificante, resolvi desistir. Tal fato foi a gota d’água para minha desistência.

Com Menem e Fujimori finalmente desmascarados e presos, acreditávamos que FHC teria o mesmo destino por aqui. Infelizmente erramos feio.

Além do governo Lula não ter revisado os processos das privatizações, ou doações do patrimônio público a uma corja de bandidos de gravatas, como prometeu, calou-se de maneira covarde quanto à venda, digo, a concessão não onerosa da Vale.

A Lei nº 9.478/97 continuou valendo, firme e forte, nem sequer foi questionada junto ao STF, talvez pela certeza de um resultado negativo, contra o povo, em virtude das indicações equivocadas, e displicentes, de ministros para o STF, pelo governo trabalhista, ou qualquer outro interesse, que não consigo entender, ou me recuso a admitir.

Um dos momentos mais tristes deste período foi o massacre dos guerrilheiros Tupac Amaru, no Peru, que haviam invadido a embaixada do Japão, e num gesto de incrível condescendência, liberto a mãe do então golpista e ditador Fujimori.

Os guerrilheiros foram fuzilados, sem nenhuma resistência, pelas forças armadas peruanas, que, na invasão para a retomada da embaixada, ainda mataram dois ou três reféns, como noticiou a imprensa à época. Os terroristas do Tupac Amaru não foram responsáveis por nenhuma morte.

Na mesa de bar de Seu Hélio, ou no Copo Sujo, dois bêbados, eu e meu amigo Pena Branca, sempre chorávamos ao relembrar este episódio. Em regra, a trilha sonora era composta por “Moon River”, de Henry Mancini e Johnny Mercer; e de “Menino Passarinho”, de Luiz Vieira: no violão de Pena Branca, na voz de Itárcio, e no desejo inconsciente da humanidade em busca da alegria, da solidariedade e da paz. 

Tempos ruins aqueles! Tempos ruins se aproximam! Saudades da Santa Madre União das Repúblicas Socialistas Soviéticas!