Morreu Jô Soares, aos 84 anos, no dia 05 de agosto
2022. Um gênio do humor, só comparável a outro gênio do humor chamado Chico
Anísio, falecido aos 81 anos, no dia 23 de março de 2012.
O
homem é o artista são confundidos, mas o artista sempre representa o alter ego
do homem, ou vice-versa, os dois podem até se confundir, mas são distintos na
verdade, mas aqui falaremos do artista.
Há
um ditado popular que diz “quem morre virá santo”, ou seja, as pessoas começam
a exaltar apenas as qualidades da pessoa morte, omitindo seus defeitos por pior
que sejam. Aqui não me refiro nem a Jô Soares, nem a Chico Anísio, falo da
condição de ser um humano, fruto da simbiose de sua natureza e da sociedade em
que está inserido; são apenas preambulação para a introdução e desenvolvimento
do texto.
Sempre
fui fã dos programas de Chico Anísio, seu humor inteligente, sem apelações
grosseiras; suas miríades de personagem mim encantavam, a cidade de Chico City
é inesquecível.
Um
dia, lendo uma revista Playboy, que além de lindas mulheres nuas, tinha
reportagens incríveis, além de uma entrevista especial em cada edição, a desta
edição era com Chico Anysio, li-a apressadamente, e, para minha decepção,
descobri que Chico Anysio era de direita, não lembro o ano, não lembro a minha
idade na época, só lembro que desde os meus quatorze anos eu era um homem de
esquerda.
A
decepção foi grande, mas continuei a assistir e a amar o seu programa, os seus
personagens, a sua singular inteligência. Aprendi aí a separar o artista do
homem, são duas personas distintas.
A
minha decepção com Jô Soares foi quando comecei a assistir os seus programas de
entrevistas – poxa, me decepciono muito com as pessoas, um sinal de que também
devo decepcionar muita gente, um caso psiquiátrico – além da inteligência e o
humor, Jô diferenciava muito a forma de entrevistar de acordo com quem era o
entrevistado.
Se
era uma pessoa famosa, a conversa se desenvolvia leve, muitos risos,
interrupções dos dois lados, uma beleza, uma maravilha.
Havia
famosos e famosos, lembro de uma entrevista com José Sarney em que senti muita
vergonha alheia, o programa do Jô era dividido em três blocos, a “entrevista”
durou dois blocos, já era na Globo.
Jô
tão lépido e fagueiro, sempre falante, sempre interrompendo a fala dos
entrevistados para incluir informações, tirar uma dúvida ou fazer uma piada,
apresentou Sarney ao público, fez uma pergunta e, durante o restante dos dois
blocos, a “entrevista” virou um discurso político, Sarney, uma velha raposa
política, grande orador, deitou e rolou dando o seu recado reacionário, e Jô
caladinho nada mais falou, só no final, “esse foi José Sarney”, intervalo
comercial e o programa voltou para o seu último bloco.
Quando
a pessoa era um anônimo, a história mudava. Lembro da entrevista de uma médica
que dava o diagnóstico aos pacientes a partir da leitura da íris. A produção
bateu uma foto da íris de Jô, fez a ampliação da mesma para o público presentes
e os que estava assistindo em suas casas, a médica começou sua análise e Jô
perguntou:
- Aí diz seu eu bebo bebidas alcoólicas ou não?
A médica respondeu, sem jinga ou malícia: Você bebe
socialmente.
Jô pulou na jugular dá médica e disse: “É mentira!
Eu nunca bebi na minha vida.”
A médica ficou com cara de boba, não disse nada e
durante toda a entrevista Jô foi muito agressivo e mal-educado com a sua
convidada.
A médica na verdade não estava mentindo, mas, não
tinha experiência em ser entrevistada, não tinha malícia, não intimidade com
uma câmera. Já Jô era um “expert” na área. Para que, como se diz
hoje, lacrar diante de uma pessoa anônima inofensiva. Quando entrevistou Sarney
não lacrou, ficou caladinho sentado no seu canto.
A médica deveria responder simplesmente, “se bebe
não existe registro”, mas faltou esperteza.
Desde esse dia nunca mais assisti as entrevistas do
Gordo.
Désolée, c'est la vie. (Sinto muito, é assim a
vida).
Recife, 09/08/2022.
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