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RESIGNAR-SE, NUNCA!

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

PREAMBULANDO, A MORTE DE JÔ SOARES E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, por Itárcio Ferreira

 

Jô Soares


Morreu Jô Soares, aos 84 anos, no dia 05 de agosto 2022. Um gênio do humor, só comparável a outro gênio do humor chamado Chico Anísio, falecido aos 81 anos, no dia 23 de março de 2012.

                O homem é o artista são confundidos, mas o artista sempre representa o alter ego do homem, ou vice-versa, os dois podem até se confundir, mas são distintos na verdade, mas aqui falaremos do artista.

                Há um ditado popular que diz “quem morre virá santo”, ou seja, as pessoas começam a exaltar apenas as qualidades da pessoa morte, omitindo seus defeitos por pior que sejam. Aqui não me refiro nem a Jô Soares, nem a Chico Anísio, falo da condição de ser um humano, fruto da simbiose de sua natureza e da sociedade em que está inserido; são apenas preambulação para a introdução e desenvolvimento do texto.

                Sempre fui fã dos programas de Chico Anísio, seu humor inteligente, sem apelações grosseiras; suas miríades de personagem mim encantavam, a cidade de Chico City é inesquecível.

                Um dia, lendo uma revista Playboy, que além de lindas mulheres nuas, tinha reportagens incríveis, além de uma entrevista especial em cada edição, a desta edição era com Chico Anysio, li-a apressadamente, e, para minha decepção, descobri que Chico Anysio era de direita, não lembro o ano, não lembro a minha idade na época, só lembro que desde os meus quatorze anos eu era um homem de esquerda.

                A decepção foi grande, mas continuei a assistir e a amar o seu programa, os seus personagens, a sua singular inteligência. Aprendi aí a separar o artista do homem, são duas personas distintas.

                A minha decepção com Jô Soares foi quando comecei a assistir os seus programas de entrevistas – poxa, me decepciono muito com as pessoas, um sinal de que também devo decepcionar muita gente, um caso psiquiátrico – além da inteligência e o humor, Jô diferenciava muito a forma de entrevistar de acordo com quem era o entrevistado.

                Se era uma pessoa famosa, a conversa se desenvolvia leve, muitos risos, interrupções dos dois lados, uma beleza, uma maravilha.

                Havia famosos e famosos, lembro de uma entrevista com José Sarney em que senti muita vergonha alheia, o programa do Jô era dividido em três blocos, a “entrevista” durou dois blocos, já era na Globo.

                Jô tão lépido e fagueiro, sempre falante, sempre interrompendo a fala dos entrevistados para incluir informações, tirar uma dúvida ou fazer uma piada, apresentou Sarney ao público, fez uma pergunta e, durante o restante dos dois blocos, a “entrevista” virou um discurso político, Sarney, uma velha raposa política, grande orador, deitou e rolou dando o seu recado reacionário, e Jô caladinho nada mais falou, só no final, “esse foi José Sarney”, intervalo comercial e o programa voltou para o seu último bloco.

                Quando a pessoa era um anônimo, a história mudava. Lembro da entrevista de uma médica que dava o diagnóstico aos pacientes a partir da leitura da íris. A produção bateu uma foto da íris de Jô, fez a ampliação da mesma para o público presentes e os que estava assistindo em suas casas, a médica começou sua análise e Jô perguntou:

- Aí diz seu eu bebo bebidas alcoólicas ou não?

A médica respondeu, sem jinga ou malícia: Você bebe socialmente.

Jô pulou na jugular dá médica e disse: “É mentira! Eu nunca bebi na minha vida.”

A médica ficou com cara de boba, não disse nada e durante toda a entrevista Jô foi muito agressivo e mal-educado com a sua convidada.

A médica na verdade não estava mentindo, mas, não tinha experiência em ser entrevistada, não tinha malícia, não intimidade com uma câmera. Já Jô era um “expert” na área. Para que, como se diz hoje, lacrar diante de uma pessoa anônima inofensiva. Quando entrevistou Sarney não lacrou, ficou caladinho sentado no seu canto.

A médica deveria responder simplesmente, “se bebe não existe registro”, mas faltou esperteza.

Desde esse dia nunca mais assisti as entrevistas do Gordo.

Désolée, c'est la vie. (Sinto muito, é assim a vida). 

Recife, 09/08/2022.

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